24 novembro 2014

Entrevista com Spacca o Ilustrador Multitarefas!

Um cara sempre de bom humor, atencioso e sobretudo com um talento que o precede!
Este é Spacca - ilustrador, cartunista, quadrinhista e roteirista e para resumir, um artista que influenciou inúmeras pessoas e profissional respeitado!

Nesta exclusiva para o Blog do Ilustrador ele fala de suas influências, experiências e dos bastidores da mundo gráfico brasileiro!





1-Você também viveu intensamente a carreira de chargista quando ganhou um concurso promovido pelo jornal Folha de São Paulo publicando lá de 85 a 92. Qual experiência tirou dessa época?
A Charge é uma linguagem difícil ou há mais inspiração num país como o nosso?
Spacca - Peguei uma época de muita efervecência, de muito interesse pela política, porque era a volta da democracia.
Eu era muito ligado nos chargistas, especialmente os da Folha, desde a Abertura (79), então aprendi a fazer charge dentro de um certo maniqueísmo, aquela coisa de o Bem contra o Mal.
O Mal era os militares e o Bem era a Democracia, mas sobretudo a Esquerda.
E a minha orientação política era o PT, que trazia a tendência de considerar tanto políticos de direita como a esquerda moderada "farinha do mesmo saco".
Por isso devo dizer que minha formação política foi bem ignorante. Eu não sabia nada da história dos partidos políticos, e ficava lá, dando palpites em política, economia...
Aos poucos, a gente vai aprendendo que a realidade tem muito mais nuances e degradês, e que não cabe num esqueminha simplista.
Outra coisa que percebi é que a charge, não apenas é inofensiva contra os poderosos, mas pior, ela acaba ajudando a fixar a imagem do FDP na mente coletiva. Ou seja, ajuda na popularidade, acaba virando propaganda do político.


2-Ainda havia um resquício de ditadura em sua passagem pelo Pasquim?
Spacca - Não, em janeiro de 85 Tancredo Neves havia acabado de assumir e estava em coma, e logo iria assumir o vice Sarney.
E já fazia anos que a ditadura vinha acabando, desistindo de governar, o general Figueiredo já estava praticamente de pijama.

3- Já naquela época você mostrava grande versatilidade de estilos e temas nas histórias, essa foi uma influência do teu trabalho publicitário em seus quadrinhos? Que lado influenciou mais o outro?
Spacca - Olha, pra dizer a verdade, essa versatilidade eu devo ter pego mais admirando o Ziraldo, que era um cara que fazia cartum, logotipo, capa de livro, poster, ilustração. E fora isso, eu queria ser animador e tinha estudado muito o trabalhpo dos estúdios Disney.
Foi essa experiência que eu levei tanto para a publicidade (onde acabei me especializando nos storyboards com temas de humor) quanto para o jornal.

4- Alías seu primeiro serviço profissional foi aos 15 anos trabalhando para a poderosa Young & Rubicam do Brasil, agência de publicidade.
Apesar da responsabilidade, foi bom já começar numa empresa grande? Como isso influenciou em sua carreira?
Spacca - Foi a melhor coisa que eu podia ter feito, valeu mais que a faculdade.
Foi muita coisa tudo junto: foi a oportunidade de ver de perto processos técnicos de montagem de artes finais; ver uma campanha ser desenvolvida desde o começo, as idéias que o cliente não gostava, o conceito que depois iria ser materializado numa historinha...
E mais: os diretores de arte, redatores e o diretor de criação conversavam comigo feito adulto, explicavam a criação, a estratégia de um filme.
Eu fiquei treinado em reuniões de criação, sabia conversar com os criativos, aprendi por alto a linguagem do cinema, participei de brain-stormings.
Durante dois anos fui o único ilustrador, convivia com os diagramadores; depois, conheci um ilustrador mais velho, o Natanael Fuentes (Natan), e aí vi um profissional da antiga trabalhar, além de me deliciar com suas histórias de boemia.
Era divertido também trabalhar junto com uma geração 10 anos mais velha que eu, a geração do desbunde... eu morria de vontade de participar da farra, mas a minha década de gandaia foi a seguinte...
Mais: muita gente que trabalhou comigo nessa época, depois foi para outros lugares e me chamava. Até hoje algum velho conhecido me passa trabalho.
E mais ainda: eu trabalhei o tempo todo em MEIO-PERÍODO!

5- Todos sabemos que você ficou conhecido por sua participação na extinta e saudosa revista Níquel Nausea no início dos 90, comparando o mercado de quadrinhos brasileiros com aquela época, hoje é mais viável produzir de quadrinhos no Brasil?
Spacca - Bem, fazer uma revista como a Níquel era mais viável naquela época do que hoje! Hoje o que dá mais jogo fazer são livros, álbuns de HQ - num mundo de muitas mudanças, um produto mais perene.

6-Como rolou de você colaborar na Níquel Nausea?
Spacca - O Fernando entrou junto comigo na Folha em 85, e ficamos amigos.
Era mais ou menos natural para ele fazer uma revista com as tiras da Folha, porque havia o exemplo da Chiclete, da Circo.
Ele me convidou e ao Newton Foot para completar a revista com HQs e cartuns, ele achava que revista só de tira era sacal.
E nosso humor era parecido, a gente gostava de coisas parecidas, Carl Barks, Canini, MAD.

7- Na nova leva de adaptações da literatura brasileira para os quadrinhos, seus trabalhos tem mostrado mais consistência, este é um formato que lhe agrada trabalhar? E dos que fez, qual mais lhe agradou?
Spacca - Sim, gosto muito deste formato.
Uma vez eu falei para um patrão meu - Luiz Briquet, animador - que no desenho animado a gente trabalha 2 meses para fazer 30 segundos...
e eu queria encontrar um tipo de trabalho que nem o Chico Buarque: fazer um álbum temático por ano, e as pessoas valorizarem isso.
Ele me disse: "ah, na nossa profissão isso é muito difícil".
Bem, hoje é mais ou menos o que eu faço.
Gosto de cada um dos que fiz, apesar de ver defeitos em todos eles.

8-Você ainda tem projetos com quadrinhos autorais seus que gostaria de publicar? Quais?
Spacca - Autoral tenho a biografia do Monteiro Lobato, que resolvi colocar na gaveta por enquanto. Na verdade, considero essas adaptações e parcerias que eu faço, o meu trabalho autoral. Mesmo quando trabalho a convite da editora, eu preciso adotar o projeto para fazer, e aí ocorre fatalmente uma identificação.

"Meu trabalho autoral é esse aí, esses álbuns de HQ que eu faço."

10-Seu estilo de trabalho hoje em dia é dividido entre o trabalho manual e no Pc ou você entrou de vez no mundo virtual? Qual sua opinião sobre a manipulação de imagens hoje em dia?
Spacca - Eu começo à mão e termino no PC, mas consulto a internet o tempo todo, manipulo os layouts no Photohop, imprimo pra ver se ficou bom.
Eu uso os dois ambientes. Se pudesse fazer só no digital, com uma Cintiq, eu faria sem problemas, pois o gestual da caneta gráfica é humano.
Qualquer ferramenta com que vc pega intimidade, vira extensão sua, seja um martelo, um carro ou o Photoshop.

11-De quadrinhos de que você gosta e está lendo atualmente?
Spacca - Não leio muito quadrinho não.
O último que li foi "O Chinês Americano", anteontem.
E este ano tirei o atraso com Watchmen.

12-Quais os artistas que mais te influenciaram?
Spacca - Ah, caramba, essa é sempre difícil.
Tem os da infância (Disney, Maurício, filmes da Hannah-Barbera, UPA...), Asterix, Mortadelo e Salaminho, animês como A Princesa e o Cavaleiro e Super-Dínamo. Depois veio a MAD, a MAD do meu tempo, com Mort Drucker, Paul Peter Porges, Al Jaffee, Aragonés; Jayme Cortez e seus livros de anatomia e desenhistas convidados; os cartunistas brasileiros, Ziraldo (incluindo o Pererê), Henfil, Angeli e outros; na formação foi isso aí.
Mas tem muito desenho animado que eu adorava e que deixou marcas. Pantera Cor de Rosa, por exemplo, tinha aquele homenzinho narigudo, eu fazia coisas parecidas com aquilo.
E tinha influências que não vinham de desenho, vinham de filmes e programas de humor: Os Três Patetas, os Trapalhões.
Depois, mais velho, eu procurei influências específicas para determinados trabalhos.
Por exemplo, a série de western de Gino d'Antonio ("História do Oeste"), estudei tentando achar um estilo para o Santô.
Até hoje faço isso. Se algo me impressiona, eu quero aprender algo com isso.


13-Recentemente, a revista Piauí criou um concurso de desenhos onde o prêmio era um Pinguim (símbolo da revista) de porcela e a publicação do trabalho dos vencedores.
Numa crítica à este prêmio humilhante você publicou uma charge em crítica ao concurso, onde mostrava um pinguim dando um peixe na boca de um desenhista, para sua surpresa o desenho-crítica foi escolhido.
Foi uma forma de te darem um "cala-boca"?
Spacca - Para minha surpresa, vírgula. Eu esperava, torcia que fosse escolhido.
Foi uma forma malandra e elegante deles absorverem a crítica. Foi bom pra mim e foi bom pra eles. Critica, aliás, mal endereçada.
Você viu a história de seis páginas do Caco Galhardo que a Piauí publicou nesse número? Fenomenal.
Ora, não se pode dizer que a revista não contrata desenhistas, não abre espaço...
Uma crítica desse tipo se faz para um veículo que não contrata ninguém e quer tudo na faixa. Não é o caso deles.
Não me arrependo de ter mandado, porque foi legal e estou com o meu pinguim na estante, mas tenho que admitir que a crítica que fiz não se encaixa muito bem no concurso.

14-Na sua opinião este fato mostra a forma com que os artistas são tratados por editores e dentro das editoras?
Spacca - De jeito nenhum. A Piaui é um caso à parte (um caso bom para os artistas). Ela contrata, ela paga.
O que acontece é que, no mercado inteiro, há uma competição feroz.
A tecnologia nos deu instrumentos para fazer nosso trabalho com mais rapidez, e aumentou a quantidade de artistas e fornecedores.
As agências e editoras também concorrem com gente fazendo trabalho parecido em pequenas equipes. É uma corrida geral para baixar o preço.
Não é pessoal, não é sacanagem: nossos clientes fazem exatamente o que nós fazemos, quando a oferta é muito abundante: damos menos valor.
Ficamos mais baratos, só isso, e vamos ficar ainda mais...

15-Fale-nos um pouco de seu trabalho mais recente!
Spacca - De Jubiabá vou falar só um pouco, porque há muito o que falar e as pessoas podem dar um pulo no meu blog ( http://jubiaba.blogspot.com ).

Neste álbum, eu tentei fazer um desenho um pouco mais puxado para o realista, para representar melhor os momentos dramáticos, de luta e até os piegas.
Minha preocupação, como nas outras HQs, é alcançar um certo tipo de fidelidade - à história, à época, e neste caso, ao espírito do romance de Jorge Amado. Meu desejo era dar forma à "mitologia baiana" criada por Jorge Amado, e que segundo Gilberto Gil o baiano aprendeu a imitar.
Se você ver os livros, os ilustradores do Jorge Amado tendem ao plástico quase abstrato - são ilustradores modernosos, naquele moderno dos anos 1950, e com citações da arte popular, gravura de cordel. Eu achei que esse caminho era sofisticado demais. Preferi uma linguagem mais direta, de aventura mesmo, porque os livros do Jorge são diretos, são simples e fáceis de ler.
O desenho meio caricaturado, ainda que com sombras realistas, ajuda a registrar a fisionomia do povo baiano, que procurei captar em fotografias e na viagem que fiz.
A caricatura, o humor, pra mim não é tanto um recurso para ficar engraçado; e sim, para captar melhor a essência das coisas.

16-Spacca muito obrigado por sua participação no nosso blog! Espaço aberto para você!
Spacca - Valeu, Ed, eu é que agradeço pelo seu interesse. Até!

■ Para conhecer mais sobre o trabalho de Spacca acesse seu site pessoal AQUI!

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