09 novembro 2014

Entrevista com Law Tissot, artista dos quadrinhos e multímidia, desbravador e ousado!

por Ed Oliver




Law Tissot começou a atuar na cena underground em novembro de 1984, Law Tissot, Marco Muller e Rodnério Rosa criaram o Grupo Mutação de Quadrinhos e lançaram o fanzine Mutação.
Esta publicação tinha o espírito da época, pois os quadrinhos independentes começavam a proliferar pelo Brasil. Nessa transição de grande criatividade que foram os anos 80/90 eu estava lá junto da turma que lançava suas publicações em xerox, e conheci o trabalho de Law que me impactou!
Ele seguiu na edição de outros títulos e, também, na colaboração com dezenas de outros fanzines do período. Nos anos 90 participou do Cybercomix (a importante revista eletronica do provedor Terra) além de continuar atuando na cena underground - sua grande paixão. Ao lado do quadrinhista Lorde Lobo editou o prozine Areia Hostil, que teve 15 edições e conquistou um HQ MIX. Hoje é professor de Artes Visuais do Colégio Alternativo, na cidade do Rio Grande, RS e produz o coletivo de arte SETOR 8, ao lado de diversos artistas da cena da arte urbana, arte postal, performances, quadrinhos, poesia e intervenções em espaço publico.
Law Tissot também realizou alguns curtametragens inspirados na sua principal série de HQ, a CIDADE CYBER. O Portal tem agora a oportunidade de conhecer mais de perto este versátil artista!



 1- Você fez parte da turma que fez o boom dos quadrinhos alternativos na década de 80, e já naquela época seu trabalho era inovador, buscando mostrar uma outra força de expressão, fale um pouco dessa epoca, prós e contras.

Law - Eu estava deslumbrado com tudo, poder fazer zines em xerox e mandar pelo correio para todos os lugares do Brasil. Conheci os quadrinhos da Heavy Metal, Moebius e Druillet, a anarquia e estética do Movimento Punk. Tudo junto ao mesmo tempo... Não conseguia – e, sinceramente, ainda não consigo – ver meus quadrinhos naquele contexto como inovadores. Eram tantos artistas, poetas, zineiros e punks circulando juntos. Tanta expressão e atitude.
Eu era mais um naquela multidão... O que tinha de bom naquele período era o espírito de aventura e curiosidade. Existia muita união, muita comunhão. O lado ruim é que a grana era pouca – sempre foi na verdade – para conseguir fazer tudo acontecer e propagar as idéias que vinham na cabeça... 2- Law, seus quadrinhos mostram uma temática pós apocalíptica, numa sociedade futura onde as relações pessoais,políticas e humanas foram sublimadas, uma nova filosofia. Fale um pouco de seus quadrinhos, qual seu objetivo nestas mensagens e com eles?

Law - O gênero pós-apocalíptico era moda na ficção-científica daquela época.
Mad Max 2 foi o filme mais influente neste movimento, seu roteiro e estética resultou em toda uma série de imitações classe B – mas muito atraentes – que vinham principalmente da Itália e Filipinas. Também tinha o aspecto político do período, a Guerra Fria e o medo de uma guerra nuclear. Misture isso com minha performance punk – e depois dark – junto com a paixão por estes filmes... E, soma-se, mais ainda, os quadrinhos do Druillet (particularmente La Nuit). O fanzine X-TRO que editei no auge desta época foi onde publiquei os meus melhores quadrinhos pós-apocalípticos.



3- Já percebendo seu traço, que une elegantemente uma linha forte e minimalista, quase espontânea, mostrando bastante personalidade.
Além dos quadrinhos que outras mídias você tem trabalhado com sua arte?

Law - Eu tenho experimentado o vídeo, a arte-postal, o graffiti... Mas são apenas experiências, pois os quadrinhos ainda são a minha verdadeira identidade artística. Eu simplesmente sou fascinado pela linguagem das histórias em quadrinhos.

4- Com o advento da internet também abriu-se um leque maior para colocar à vista trabalhos digamos não tão comerciais como o seu, que privilegia a inteligência e sutileza...

Law - Desde a época dos fanzines – e da cena underground – que já existe as possibilidades de se publicar, reproduzir e distribuir toda a espécie de experimentalismos gráficos e narrativos que desejarmos, e sem pretensões comerciais, como ainda é o caso do meu trabalho. A internet apenas apresentou maior velocidade de ação.

5- O que tem acompanhado de quadrinhos atualmente?

Law - Acompanho a cena alternativa brasileira com o interesse de sempre, fanzines, blogs, coletivos... O mercado de super-heróis nunca me interessou profundamente, ainda compro a Heavy Metal só para manter a coleção, mas hoje raramente me surpreendo. O último quadrinho que me traumatizou foi Os Invisíveis do Grant Morrison. Já li e reli os 3 volumes inúmeras vezes.

6- A industria de quadrinhos está em decadência? Nos dê sua visão sobre os quadrinhos atualmente?

Law - Aposto que o mercado de quadrinhos no Brasil – para publicar a produção de autores nacionais – ainda vai ser muito oportuno. Temos grandes nichos editoriais a ser preenchidos, e a autopublicação de qualidade vai ficar cada vez mais acessível...

7- Dos brasileiros quem mais gosta e destacaria?

Law - Ainda admiro os caras da minha geração, Alberto Monteiro, Ricardo Borges, Yuri Hermuch, Weaver Lima, Fabio Zimbres... Tem o meu amigo Lorde Lobo, que é um dos principais representantes do gênero super-herói nacional. Gosto muito do trabalho do Jaum também, traz essa referencia da Heavy Metal que me identifico. Eu não quero deixar ninguém de fora... na verdade eu amo demais a produção de quadrinhos nacionais, independente das opções gráficas e narrativas de cada um. E não poderia deixar de citar aqui o trabalho do meu outro grande amigo Odyr, que estourou merecidamente com o álbum Copacabana e promete muito mais para breve.


8- Seu blog Setor 8, fale-nos um pouco sobre ele?

Law - O Setor 8 é um coletivo mantido junto dos amigos Rafael Vianna, Lupin e Any Zero Fran. Mas publicamos e divulgamos os trabalhos de todos que cruzam o nosso caminho. As principais ações são as histórias em quadrinhos, arte-postal, intervenções urbanas, performances, poesias. É um fanzine disfarçado de blog. Ou seria o contrário?

9- Você também faz parte de um grupo musical, o Identidade Urbana, fale-nos sobre ele?

Law - Na verdade o Identidade Urbana é um projeto cultural que desenvolvo ao lado do amigo Mister Diones, um importante rapper da cena de Rio Grande. Este projeto acontece na Feira do Artesanato do Rio Grande, e envolve shows de rock, rap, campeonato de skate e oficinas de graffiti. Eu não toco mais em nenhuma banda de rock. Minhas experiências musicais ficaram no século passado. Por outro lado quero me dedicar cada vez mais para as histórias em quadrinhos e a vídeo-arte.


10- Sendo professor de Artes, como é o desafio de tentar fazer os alunos conhecerem e produzirem algo desvinculado do lixo cultural que temos hoje em dia?

Law - Sou professor da Educação de Jovens e Adultos, no ensino Fundametal e Médio do Colégio Alternativo (www.alternativorg.com.br), e cumpro com o currículo do Sistema Positivo adotado pelo colégio. Mesmo assim trabalho algumas ações de graffiti e skate que são as manifestações que as turmas mais se identificam nestes dias. Quando tenho algum aluno ou aluna que naturalmente tem o talento para alguma manifestação artística procuro orientar individualmente. No momento, por exemplo, tenho uma aluna de 17 anos que desenha manga de forma surpreendente. Neste caso, eu é que acabo aprendendo com ela. Essa é uma relação fascinante, pois deve existir uma troca de conhecimentos entre professores e alunos, e não uma mão única. Eu aprendo muito com meus alunos e isso me deixa muito feliz.

11- Sobre o que falam os curta metragens inspirados na sua série de hqs Cidade Cyber? O resultado o satisfez e quais seus objetivos ainda com esta mídia?

Law - Os curtas sempre foram experimentais, no principio dentro da disciplina de cinema e vídeo, quando cursava a graduação em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande. Depois como um projeto para a grade de programação da TV da universidade. Mas foram trabalhos em equipe, que me levou a testar os limites técnicos e narrativos com baixo orçamento, com interesse de exibição apenas no meu território urbano. Hoje estou muito interessado nas possibilidades da vídeo-arte. Mas ainda estou numa fase inicial do processo, não teria muito o que falar neste momento.



12- Como estão as atividades do coletivo Setor 8?

Law - O Setor 8 é sazonal, temos períodos febris, de muitas produções, eventos, postagens e trocas de experiências, com outros momentos de plena ociosidade e tédio total. Faz parte. Não temos obrigações, apenas desejos. Já trocamos de lay-out, já apagamos postagens e depois reeditamos tudo de novo. Temos discutido no momento a possibilidade de acabar com o blog e transformar tudo numa revista. Mas já pensamos em outras coisas e o blog sempre foi a única possibilidade que tem sobrevivido. Mas eu não posso falar sobre os desejos dos meus amigos, então amanha alguma coisa absolutamente estranha pode surgir ou ficarmos meses sem atualizar nada.. até desaparecermos para sempre. Isso é genial, não é mesmo?

13- Hoje em dia os fanzines de papel estão em cada vez menor número, pois boa parte deles migrou para a internet, é essa a nova cara dos fanzines?

Law - Não concordo com isso. Acho que a maioria de nós tem se acostumado com a internet por uma questão de comodismo. Já que existe uma vasta produção de fanzines impressos, em xerox por exemplo. Não só no Brasil, mas nos Estados Unidos e Europa também. Existe muita coisa acontecendo. E isto é apaixonante. A internet acomodou nossas atenções, mas a produção de zines no espaço urbano é intensa, é só não ter preguiça que a gente começa a receber toneladas deles pelos correios, igual aos anos 80!

14- Na sua opinião, essa migração do papel para a net, não tira um pouco da personalidade e espontaneidade dos trabalhos? Quais as vantagens e desvantagens em sua opinião?

Law - Se o artista – e conseqüentemente o seu trabalho e expressão – tem espontaneidade, personalidade, então o meio não importa. Pode-se fazer uma HQ com qualquer mídia. Qualquer suporte. Evidente que cada escolha oferece um processo e um resultado..

15- Percebe-se que a música tem uma forte influência em seu trabalho...

Law - Sim, na mesma garagem que comecei a desenhar meus quadrinhos e editar meus primeiros fanzines eu ensaiava com minhas bandas punks, góticas. O rock é a trilha sonora para toda a minha arte. Quer dizer, hoje aprendi a escutar e valorizar o Hip Hop.

16- Agradecemos suas palavras e deixamos o espaço aberto para você!

Law - Ed, tu é outro grande nome do nosso quadrinho. Quero continuar acompanhando teu trabalho e teu entusiasmo. Precisamos manter a cena, trocar idéias, ficar unidos.
As coisas sempre serão mais fáceis e mais humanas quando trabalhamos juntos.
E, quem quiser pode me mandar um email, um zine, uma poesia, enfim. Eu respondo sempre.

Site para conhecer os trabalhos de Law Tissot:
■ http://fanzinotecamutacao.blogspot.fr/

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